sábado, agosto 07, 2004

O Cheiro de África

“Desembarquei ontem em Luanda às costas de dois marinheiros cabindanos. Atirado para a praia, molhado e humilhado, logo ali me assaltou o sentimento inquietante de que havia deixado para trás o próprio mundo. Respirei o ar quente e húmido, cheirando a frutas e a cana-de-açucar, e pouco a pouco comecei a perceber um outro odor, mais subtil, melancólico, como o de um corpo em decomposição. É a este cheiro, creio, que todos os viajantes se referem quando falam de África”

in Nação Crioula de José Eduardo Agualusa


Desde míudo que me interrogo sobre a que é que cheira África. Lembro-me perfeitamente das conversas do meu pai e dos meus tios que, recordando os tempos que passaram em Angola e Moçambique aquando da guerra colonial, falavam sempre do cheiro de África com um sorriso nos lábios. Lembro-me ainda de dizerem, que quem esteve em África nunca mais a podia esquecer e que era um sítio que a todos enfeitiçava.

Foi também por isso que me senti inquieto e ansioso ao desembarcar em Maputo na passada 5ªFeira (para além de todo o chorrilho de emoções e interrogações que acompanha quem vai iniciar uma nova aventura na vida, no meu caso, ser professor em Moçambique, nunca tendo saído da Europa); ia finalmente conhecer O cheiro de África.

Quando pisei pela primeira vez solo africano, após saltitar um pouco para recuperar o controlo das minhas pernas martirizadas por 10 horas de viagem, uma das primeiras coisas que fiz foi respirar fundo, na tentativa de descobrir o tão famoso cheiro... decepção das decepções; para além do desagradável odor do combustível com que reabasteciam a aeronave e do característico aroma a transpiração e cansaço dos meus companheiros de viagem... nada! Afinal África não cheira!

Nestes dois dias, convivi com uma miríade de visões, cheiros e sons completamente diferentes daqueles a que estava habituado... este é realmente um mundo à parte; as pessoas, os seus ritos e costumes, a sociedade... é uma realidade tão diferente e da qual ainda tão pouco conheço, que só mais tarde me atreverei a falar dela. O tal cheiro é que teima em não aparecer!

Porém, ao longo do dia de hoje, enquanto caminhava a pé pelas ruas de Maputo, fui desenvolvendo uma teoria à medida que compreendia a outra parte das conversas dos meus familiares e amigos que por aqui passaram. África é realmente apaixonante... A cada esquina, em cada rosto, há algo de mágico e marcante que, creio irá ficar cá dentro para toda a vida.

Tal conclusão poderá parecer precipitada, estando há tão pouco tempo aqui e não tendo ainda saído da cidade de Maputo; porém atrevo-me a tirá-la, reconhecendo que é uma conclusão muito mais emocional do que racional, mas é precisamente esse (na minha opinião) o feitiço que África nos lança quando aqui chegamos – um misto de emoções tão novas e tão intensas que nos marcam, mas ao mesmo tão subtis que não as conseguimos descrever... apenas sentir.

Entra aqui a minha teoria... É exactamente a impossibilidade de descrever esse sentimento que nos leva a substituí-lo por uma sensação... e existe sensação melhor que o cheiro para substituir um sentimento? Vivemos rodeados de cheiros especiais desde que nascemos: o cheiro da nossa mãe tão especial enquanto somos bébés, o cheiro da nossa casa, das flores do jardim, da nossa cidade, da nossa comida favorita, da pessoa que amamos. Conseguimos descrevê-los? Duvido. São iguais para toda a gente? Claro que não... Conseguimos esquecê-los? Jamais!

Por isso considero que não existe O cheiro de África, mas sim tantos quantos aqueles que tiveram oportunidade de a cheirar. E é esse o cheiro que nunca mais nos larga. Quem por aqui passou certamente sente saudades e provavelmente o desejo de voltar um dia nem que seja para sentir o seu “cheiro de África”

8 comentários:

  1. Delicioso, ler este texto! _ Abraço, IO.

    ResponderEliminar
  2. Peço encarecidamente :-) ao autor, que continue este blog!

    ResponderEliminar
  3. Vim aqui através do blogue galego días estranho; e ainda bem.
    Já agora, passados estes meses todos já conseguiu absorver o tal cheiro de África'
    Ele não está nas cidades mas fora... e as imagens de nhaca reconduzem-me a esse magnífico e indecifrável odor.
    Se não conseguiu,não perca a esperança. Ele aparece de onde menosse espera.
    Um abraço
    Eugénio Almeida (Pululu)

    ResponderEliminar
  4. Meu Caro amigo
    Deve o único a não ter sentido aquele cheiro a terra molhada.
    O primeiro grande impacto que todos que já visitaram Mocambique, sabem que é ao sair do avião que até nos falta a respiração aquele ar quente e o cheiro a terra molhada.
    Depois de tantos anos é a única coisa que consigo sentir quando falo de Mocambique.

    ResponderEliminar
  5. Oi a todos. Isso do cheiro nao sei se é bem isso, mas sim tenho a certeza de que a Africa tem uma magia que envolve a cada pessoa que tem o privilegio de por os pes nela. Quem tem o prazer de conhecer a Africa como eu a conheci, fica marcado pelo resto da vida, e cada dia que passa sente mais saudades, e o coraçao fica piquinininho quando ouve falar nela. Um beijao muito grande para todos, e obrigado por lembrar de nos os que estamos longe, que nos faz tanto bem ver as fotos maravilhosas que se publican aqui.

    ResponderEliminar
  6. Nasci em Maputo,então Lourenço Marques... e estive 25 anos sem pisar a minha terra.
    Voltei lá em 2003 e sem me lembrar do pormenor do cheiro de África reconheci-o logo à entrada na Namaacha,pois entrei pela fronteira terrestre.Como alguém aí disse...é cheiro de terra molhada,misturado com odores de poeiras,combustíveis...mas reconheceria de olhos vendados que estava em Moçambique.Graças a Deus! Adoro o cheiro da minha terra.Continue este blog se puder...obrigada.

    ResponderEliminar
  7. nasci e criei-me em moçambique até aos 14 anos. Saí de lá em 1976 e voltei em 2000 e 2004. O cheiro de africa é real. Existe não só nas memórias de quem lá viveu mas existe realmente nas ruas e avenidas de maputo,no mato, junto à praia, nos mercados e bazares, nos hoteis e lojas da cidade. senti-o por todo o território de moçambique desde o Sul (Inhaca) até ao Norte (Pemba). Mesmo na noite mais escura que passei no Krugger Park, esse cheiro acompanhou-me. Não é constante. Os sentidos têm que estar despertos e atentos porque aos mais desatentos ele passa sem deixar aviso.

    ResponderEliminar
  8. Olá João
    Como moçambicana adorei ler o teu blog, a tua descrição do que é África, Moçambique e Angola dá saudades e das grandes.

    bjos

    Maria João Matos

    ResponderEliminar